7.12.11

Ó, POESIA!


A TAREFA DE AMOLECER DIARIAMENTE O TIJOLO 
julio cortázar

A tarefa de amolecer diariamente o tijolo, a tarefa de abrir caminho na massa pegajosa que se proclama mundo, esbarrar cada manhã com o paralelepípedo de nome repugnante, com a satisfação canina de que tudo esteja em seu lugar, a mesma mulher ao lado, os mesmos sapatos e o mesmo sabor da mesma pasta de dentes, a mesma tristeza das casas em frente, do sujo tabuleiro de janelas de tempo com seu letreiro HOTEL DE BELGIQUE. Enfiar a cabeça como um touro apático contra a massa transparente em cujo centro bebemos café com leite e abrimos o jornal para saber o que aconteceu em qualquer dos cantos do tijolo de cristal. Resistir a que o ato delicado de girar a maçaneta, esse ato pelo qual tudo poderia se transformar, possa cumprir-se com a fria eficácia de um reflexo cotidiano. Até logo, querida. Passe bem. Apertar uma colherinha entre os dedos e sentir seu latejar metálico, sua advertência suspeita. Como custa negar uma colherinha, negar uma porta, negar tudo o que o hábito lambe até dar-lhe uma suavidade satisfatória. Quanto mais simples é aceitar a fácil solicitação da colher, usá-la para mexer o café. E não é mau que as coisas nos encontrem outra vez todo dia e sejam as mesmas. Que a nosso lado esteja a mesma mulher, o mesmo relógio e que o romance aberto em cima da mesa comece a andar outra vez na bicicleta de nossos óculos, por que haveria de ser mau? Mas como um touro triste é preciso baixar a cabeça, do centro do tijolo de cristal empurrar para fora, em direção ao outro tão perto de nós, inacessível como o toureiro tão perto do touro. Castigar os olhos fitando isso que anda no céu e aceita astuciosamente seu nome de nuvem, sua resposta catalogada na memória. Não pense que o telefone vai lhe dar os números que procura. Por que haveria de dá-los? Virá somente o que você tem preparado e resolvido, o triste reflexo de sua esperança, esse macaco que se coça em cima de uma mesa e treme de frio. Quebre a cabeça desse macaco, corra do centro em direção à parede e abra caminho. Oh, como cantam no andar de cima! Há um andar de cima nesta casa, com outras pessoas. Há um andar em cima onde moram pessoas que não percebem seu andar de baixo, e estamos todos dentro do tijolo de cristal. E se, de repente, uma traça parar pertinho de um lápis e palpita como um fogo cinzento, olhe-a, eu estou olhando, estou apalpando seu coração pequenino, e ouço-o: essa traça ressoa na pasta de cristal congelado, nem tudo está perdido. Quando abrir a porta e assomar à escada, saberei que lá em baixo começa a rua; não as casas já conhecidas, não o hotel em frente; a rua, a floresta viva onde cada instante pode jogar-se em cima de mim como uma magnólia, onde os rostos vão nascer quando eu os olhar, quando avançar mais um pouco, quando me arrebentar todo com os cotovelos e as pestanas e as unhas contra a pasta de tijolo de cristal, e arriscar minha vida enquanto avanço passo a passo para ir comprar o jornal na esquina.

26.6.11

POESIA MINHA: ovo



um ovo é um ovo é um ovo é um ovo
com toda a sua alvura
com toda a sua clara
com todo a sua – ah! –  gema
de galinha de boteco de páscoa
em saco em lata em casca
(gerado, não criado)
estrelado ou estalado
cozido mexido
omeletado
o de colombo o de codorna
o sempre
o mesmo
o novo
ovo




1.6.11

LYRICS: coloured blues


Carpe Diem

azuuuuul

azul 
sky 
o céu de blue

azul 
sky
o céu de blue


sobre o green do capim
amar de amarelo
e colher os seus beijos vermelhos

com o pink das rosas
tingir a brancura
dessa vida que me foge entre os dedos


azuuuuul

azul 
sky 
o céu de blue

azul 
sky
o céu de blue




21.5.11

Ó, POESIA!

FELICIDADES 

O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro perdido e reencontrado
Rostos animados
A neve, a sucessão das estações
Jornais
O cachorro
A dialética
Tomar um banho, nadar um pouco
A música antiga
Sapatos macios
Compreender
A música nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser camarada.




VERGNÜGUNGEN

Der erste Blick aus dem Fenster am Morgen
Das wiedergefundene alte Buch
Begeisterte Gesichter
Schnee, der Wechsel der Jahreszeiten
Die Zeitung
Der Hund
Die Dialektik
Duschen, Schwimmen
Alte Musik
Bequeme Schuhe
Begreifen
Neue Musik
Schreiben, Pflanzen
Reisen
Singen
Freundlich sein


bertold brecht │ tradução: leandro konder



8.5.11

PERGUNTAS & RESPOSTAS








“A quem posso perguntar
 que vim fazer neste mundo?”
PABLO NERUDA


“Fale ao motorista somente o indispensável.”
662 (MÉIER – MARIA DA GRAÇA)






27.3.11

LYRICS

HOJE É DIA DE CINZAS

Hoje é dia de cinzas
O carnaval terminou
O que era chama se apaga
Adeus, meu bem, adeus, meu amor

E a alegria de ontem
Se transformou ora em dor
A fantasia se acaba
Só resta a saudade que deixou

Ó, POESIA!

VAZIO │ augusto frederico schmidt

A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo –
Restam somente as casas,
Os bondes, os automóveis, as pessoas,
Os fios telegráficos estendidos,
No céu os anúncios luminosos.

A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo –
Restam somente os homens,
Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis.
Resta a vida que é preciso viver.
Resta a volúpia que é preciso matar.
Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar.